quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

DESIGUALDADE SOCIAL - Salário mínimo ‘ideal’

DESIGUALDADE SOCIAL  - Salário mínimo ‘ideal’

Segundo levantamento do DIESSE (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos), o salário mínimo deveria ser de MAIOR para custear alimentação, moradia, educação, vestuário, saúde, transporte, higiene e lazer de uma família. Esse montante é CINCO vezes maior que o mínimo praticado atualmente (R$ 1.100,00).

Para a Dieese, o salário mínimo ideal deveria estar em R$ 5.289 em novembro de 2020. A conta leva em consideração o preço da cesta básica no país e quanto cada pessoa precisará para conseguir pagá-la todos os mês e também arcar com outros itens como moradia, gás, luz, higiene, transporte, saúde, vestuário, etc.

Por que o salário mínimo atual está tão distante do valor ideal?

Quando o Salário Mínimo (SM) foi criado, seu objetivo era servir de instrumento para a distribuição de renda. Por isso, foi pesquisado o quanto as pessoas consumiam no mês. Ao longo da história, por conta da inflação alta, o diagnóstico muitas vezes era de que tínhamos uma inflação de demanda, ou seja, as pessoas ganhavam muito e por isso elas consumiam mais. Então, para conter a inflação, um dos instrumentos do governo era diminuir renda. Por isso, o Estado começou a fazer reajustes no SM menores que a inflação. Ao longo do tempo, o SM foi perdendo poder de compra. Isso significa que ele passou de um instrumento de distribuição de renda para um instrumento de regulação da inflação.

Qual a metodologia utilizada para calcular o salário mínimo ideal? Quais critérios e índices baseiam essa análise e quais são os seus objetivos?

Fazemos uma pesquisa mensal da cesta básica baseada no Decreto-Lei nº 399, de 30 de abril de 1938, que definiu estudos para instituir um SM (salário mínimo) no Brasil. Na época, foram feitos levantamentos em diferentes regiões para avaliar como as pessoas consumiam e seus principais alimentos. Essa é a única legislação do Brasil que fala sobre cesta básica. Com base nos principais produtos, realizamos em 21 capitais a Pesquisa Nacional da Cesta Básica. Como a quantidade de alimento presente na cesta corresponde a um único trabalhador e, em média, uma família possui três a quatro pessoas (dois adultos e duas crianças), multiplicamos o valor da cesta por três e chegamos ao gasto de alimentação de uma família.

O nosso índice de custo de vida para o estrato de menor renda indica que o percentual gasto com alimentação é de 35,71% do salarial mensal. Então, com base em uma regra de três, chegamos a um valor que engloba, além da alimentação, gastos com transporte, lazer, saúde, educação e despesas pessoais. Somando os valores, temos um SM de referência. Nunca dissemos que é o SM que deveria ser praticado hoje, mas que é o valor necessário para que uma família possa comer, se vestir, ter acesso à educação, transporte, saúde, enfim, coisas básicas presentes na constituição.

Em diferentes países considerados desenvolvidos, como Áustria, Suécia, Dinamarca, Finlândia e Noruega, não existe um salário mínimo. O que permite essa prática nesses países? Qual a importância de se ter um salário mínimo?

Nesses países não existe SM porque eles possuem um Estado que garante a manutenção dos direitos mínimos. O que aconteceu no Brasil foi que, politicamente falando, o SM serviu de instrumento contenção de inflação e perdeu seu principal objetivo enquanto instrumento de distribuição de renda.

O SM no Brasil serve, principalmente, para duas coisas: A primeira delas é a referência. Temos muitos trabalhadores que não possuem um piso por categoria. O reajuste vem conforme mudamos o SM. Ele é uma referência para os trabalhadores que não possuem muito parâmetro. Em segundo lugar, ele também é um instrumento de distribuição de renda à medida em que afere o poder de compra das famílias. Nos últimos anos, o SM não teve aumentos reais, ou seja, essas famílias não ganharam poder aquisitivo acima da inflação. Quando você tem o ciclo de aumento de renda acima da inflação, a tendência é que as pessoas comprem mais e a economia cresça.

Analisando os salários ideais divulgados pelo Dieese nos últimos 20 anos, é possível perceber uma proporção sempre cinco vezes maior que o salário mínimo praticado. Isso ocorre mesmo no período entre 2003 e 2010, quando o salário mínimo teve maior valorização. Porque, mesmo com essa valorização real desse período, o salário mínimo continuou tão aquém do necessário?

Por conta dos anos anteriores, pelo histórico de desvalorização do próprio SM. Para diminuir essa distância entre o real e o ideal deveríamos ter uma política intencional de longo prazo, praticada por vários governos. Não foi o que aconteceu. Hoje se fala em reajustes menores que a inflação.

Qual seria o caminho para o Brasil se aproximar do salário mínimo ideal? Essa questão depende apenas do desempenho econômico nacional?

A única forma seria por meio de uma política de longo prazo, que visasse a valorização do SM. O SM é uma poderosa ferramenta de distribuição de renda, mas sem uma vontade política não adianta termos crescimento econômico. Em vários momentos da história do Brasil, crescemos sem distribuir.

A economia vai bem, mas o povo vai mal!

Durante a Ditadura o país cresceu a uma taxa de até 13,4% ao ano, durante o chamado "milagre brasileiro", mas sem necessária distribuição de renda. Período de forte crescimento e industrialização nos anos 70 se deu às custas de endividamento e hiperinflação que viriam no final do regime.

Equivale a dizer que é preciso não só eliminar a miséria, a ignorância, a doença, mas promover um mínimo de igualdade entre as classes sociais. Igualdade, em certos casos, vai mais longe do que oferecer as mesmas oportunidades: quando se começa de pontos de partida astronomicamente desiguais, será necessário favorecer os mais fracos.

O que é urgente é um mínimo de entendimento que nos permita sair da paralisia sobre as políticas adequadas para distribuir renda.

A história ensina que tragédias e choques econômicos adversos podem ser uma alavanca para transformar países e colocá-los na rota da prosperidade.

Após a Segunda Guerra, a Coreia do Sul era um país pobre, devastado pelo conflito e pela longa dominação japonesa. Uma elite agrária dominava a política, tomada por corrupção, captura do Estado e populismo. Uma bem-sucedida reforma agrária foi o ponto de partida para a reconstrução do País em termos mais igualitários e produtivos, com remoção de privilégios e investimento maciço em educação.

Taiwan tem história similar, com os nacionalistas chineses lá chegando em 1949, após serem expulsos da China continental pelos comunistas, e ali realizando uma reforma agrária que derrubou a desigualdade e iniciou uma história de sucesso do mundo capitalista.

 A grande fome da China, na segunda metade dos anos 1950, levou a mudanças nas regras de coletivização da produção que estão na origem da revolução econômica que transformou o País em potência econômica.

Nos anos 1970, a Nova Zelândia vivia uma vida sossegada, funcionando como uma provedora preferencial de laticínios, lã e carne ao Reino Unido. Quando esse país aderiu ao Mercado Comum Europeu e reduziu suas barreiras às importações de outros países, a Nova Zelândia entrou e decadência econômica: desvalorização cambial, inflação, recessão, disparada do déficit e da dívida pública.

A crise induziu uma agenda de reformas, levada a cabo durante duas décadas, que abriu a economia, aboliu velhos protecionismos e subsídios, e como resultado colocou o país nos primeiros lugares nos rankings de qualidade de vida e desenvolvimento humano. A vizinha Austrália seguiu caminho similar e colheu três décadas de crescimento ininterrupto.

O ponto comum entre esses casos é que a crise permitiu transformações em aspectos políticos e econômicos que representavam entraves ao desenvolvimento de longo prazo. Situações limites enfraquecem interesses previamente estabelecidos e permitem reformas.

O Brasil é uma sociedade dividida: diferentes grupos sociais têm baixa predisposição para cooperar visando solucionar os problemas coletivos. As pessoas não confiam umas nas outras, e não hesitam em violar regras para obter vantagens individuais.

Construímos, ao longo dos séculos, uma sociedade dentre as mais desiguais do mundo.

Cada grupo social quer uma política pública que o beneficie, jogando a conta para os outros. O empresário e o profissional liberal querem pagar menos imposto, e mandar a conta para os outros. O político quer ter salário de marajá, quer se reeleger distribuindo benefícios sociais a seus eleitores, e mandar a conta para os outros. A família de classe alta quer universidade de graça, e mandar a conta para os outros. As pensões vitalícia para filhas de militares gera altos custos, cujo o regime será deficitário até 2080. O déficit deverá chegar naquele ano a cerca de R$ 7,5 bilhões, ex- primeiras-damas recebem aposentadorias especiais e pensões vitalícias que variam de R$ 10,5 mil a R$ 26,5 mil, e mandam a conta para os outros.

É preciso que haja uma atitude por parte do Governo e interesse popular. A única forma de recuperar a capacidade de crescimento, sem colocar o país  numa situação ainda mais crítica, seria com reformas que, no curto prazo, vão cobrar algum sacrifício de todos, mas que no médio e longo prazo transformarão o potencial de crescimento e a nossa realidade da desigualdade.

Toda a sociedade seria chamada a cooperar, ficando explícito o quinhão de cada um.

Seria necessário as empresas perderem benefícios tributários. Os profissionais liberais de alta renda, que pagam menos imposto por meio da “pejotização”, passariam a ser tributados como qualquer outro brasileiro. Os descontos do Imposto de Renda, que beneficiam os 10% mais ricos, deveriam ser extintos. O salário dos Parlamentares deveria ser reajustado e os auxílios das mordomias abolidos. As universidades públicas deveriam ser para os com menor renda. Militares não mais se aposentariam antes dos 50 anos de idade e o fim da pensão vitalícia.

Uma reforma administrativa adequaria remunerações e benefícios à realidade brasileira. Supersalários e penduricalhos seriam fortemente restringidos. As emendas parlamentares ao orçamento, que usualmente financiam investimentos de baixo retorno social e alto retorno eleitoral, seriam redirecionadas, por alguns anos, para financiar o novo programa assistencial ou para fechar desequilíbrios no orçamento.

Um programa explicitando que todos dariam sua colaboração elevaria o respaldo político e explicitaria a atitude antissocial de quem tenta se safar e empurrar o custo para os outros.

Isso nos tiraria da crise com um Estado menos disfuncional e uma sociedade mais coesa e propensa à cooperação, com menos pobreza e desigualdade. O potencial de crescimento da economia aumentaria.

 


 

 

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